O Fim de Uma Era Nefasta

  • Por: Amaury Rausch Mainenti OAB-MG nº 86.310
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– Por que uma carroça? – disse ela. – O rei foi levado ao cadafalso numa carruagem.

(…)

Ela subiu os três degraus do cadafalso. Um ajudante de carrasco quis tirar-lhe o xale. Ela recusou e esbarrou em Samson.

– Desculpe, foi sem querer – disse ela.

Foram suas últimas palavras. Ao meio-dia e quinze sua cabeça caia, ao pé da estátua da Liberdade, que ouviu a última apóstrofe da Sra. Roland.

(…)

Maria Antonieta fizera coisas demais, dispensara demasiados favores, prestara-se de bom grado e sem querer a demasiadas intrigas, servira, por complacência ou por amizade, a demasiadas ambições, muitas vezes injustificadas, para que o peso de seus erros ou de suas imprudências um dia não recaísse sobre ela. (…)

(ROBERT, Henri. Grandes Julgamentos da História. Trad. Mônica Stahel. 2ª ed. São Paulo, Martins Fontes, 2008, pp. 339-341 e 343)

O que há de comum entre a vida de Maria Antonieta e a história presente do Brasil?

No plano da absoluta igualdade, nada!

As vidas da rainha francesa guilhotinada e a nossa “rainha sem cabeça” são totalmente diversas. Aquela, segundo os historiadores, era uma “princesa nata”, dona de “(…) um discernimento infinito, bondade de caráter, alegria de espírito, gosta de agradar, diz coisas amáveis a todos e possui em grau supremo todas as qualidades que podem garantir a felicidades de um esposo” (ROBERT, 2008: 284), dizia o Marquês de Durfort em sua carta ao rei Luis XV.

Enquanto uma foi preparada para ser rainha desde a mais tenra idade, a outra se constituiu em produto de um competente marqueteiro, que soube muito bem vender sua falsa imagem. Entretanto o tempo – esse algoz inclemente de todas as inverdades – conseguiu deitar por terra todas as falácias.

Reza a lenda, que munida de um lap top e apresentando planilhas elaboradas por sabe-se lá quem, conseguiu convencer certa malandragem de que havia, por trás daquela aparência pouco atraente, um cérebro quiçá privilegiado, que lhe conferia ares de incomum competência, pronta para os mais fortes desafios.

Ou não se teria identificado na mesma um caráter facilmente manipulável, o que atenderia os anseios daquela outra mente maligna em se perpetuar no poder, ainda que indiretamente, “guardando” a cadeira presidencial pelo tempo necessário à sua volta?

– Chi lo sà?

Somente o nosso velho e conhecido tempo irá dizer.

É curioso perceber como alguém conseguiu, em tão pouco tempo, carrear para si todas as antipatias do mundo. Que toda aquela pseudo competência encerrava nada mais do que uma alma soberba, egoísta, hipócrita, mentirosa, autoritária, desequilibrada e totalmente despreparada para exercer a presidência de um país, que exige diversas qualidades bem distintas de qualquer sentimento menos digno.

Nada adiantou dominar o Judiciário, escolhendo a dedo os asseclas para a maior corte, tampouco estabelecer conchavos, à custa de verbas públicas, na vã tentativa de se manter no cargo a que desesperadamente se aferrara.

Em escritos passados afirmei que a reeleição seguida de um mesmo mandatário pertencente ao mesmo partido era a pior coisa para a democracia. Em meu modesto entendimento, a “dança das cadeiras” se torna necessária, para que o indivíduo que foi guindado ao cargo de dirigente máximo de uma nação não corresse o risco de se tornar um príncipe absolutista, julgando-se imortal e infalível, embriagado pelo poder. De nada valeram nossas considerações. A sede do poder pelo poder era – e ainda é – maior do que qualquer ordem que a sã razão possa dirigir ao incauto.

Por mais que a situação esteja plenamente favorável à vida de um governante, mudar o dirigente e o partido que ele representa é algo que se deva ter como verdade inexorável, com a devida vênia. Por mais que se acredite naquele vetusto brocardo, tão comum às lides futebolísticas, o famigerado “não se mexe em time que está ganhando”, a mudança do chefe do executivo é medida que se impõe vez que tudo pode ser melhorado.

Agora assistimos clientes cerrando as suas portas, demissões em massa, a escalada crescente da espiral inflacionária, inadimplência, retração do PIB. E de tal maneira todas as conquistas sociais – e o trabalho é a melhor benesse, sem dúvida – correm o risco de se tornarem infrutíferas, face ao descalabro da economia tupiniquim.

Não houve aquela conhecida preocupação em se fazer o dever de casa. Não se administrou bem a res publica. Esta foi tratada como res nullius. Os membros do governo não se importaram com as consequências de seus atos – para não dizer que agiram dolosamente. Ampliaram sobremaneira as despesas de custeio. Não se preocuparam em controlar essas e fomentar a atividade industrial (fonte de receitas públicas derivadas e necessárias à manutenção o Estado), que vem caindo sistematicamente há cerca de cinco anos. Não promoveram reformas necessárias, tais como a trabalhista – necessária ao incremento do emprego – e tributária. Tema de campanha política, mas que se arrastou e vem se arrastando, sem qualquer vislumbre de solução em curto prazo, a fim de se eliminar as distorções existentes no sistema.

A equação é basilar: a receita tem que ser superior à despesa. Pode parecer um raciocínio simplista, mas quando se gasta mais do que se tem, a única solução é alienar patrimônio ou endividar-se, o que fatalmente poderá levar à insolvência.

Enfim, com todas as mazelas criadas em face de escolhas insensatas, assiste-se agora à derrocada da primeira mulher eleita presidente da República.

Se há discussões quanto à caracterização ou não de crimes de responsabilidade, a mim não importa. O estreito limite dessas singelas reflexões não permite uma análise técnica do assunto nesse momento.

Ela foi, em parte, vítima das circunstâncias, e teve o destino marcado por aquela espécie de fatalidade inelutável de que os poetas gregos faziam o móvel de suas tragédias.

No entanto, é preciso dizer também, ela contribuíra para preparar com as próprias mãos imprudentes a catástrofe que a abateu. (…)

(ROBERT, 2008: 341)

Sinceramente? Não me condoo com a situação da defenestrada presidente. Não pertenço a nenhum partido e tampouco tenho predileção por esse ou aquele provável candidato à sucessão. Qualquer que seja o desfecho, o que ocorrerá nos dias futuros demandará ao chefe do executivo federal um esforço enorme para ajustar as contas públicas e captar a confiança dos eleitores, vez que estes mudaram. O brasileiro já não é mais o mesmo.

De minha parte, faço uma análise dos fatos que se descortinam ante meus olhos, segundo o meu ângulo de vista. Nada mais. Mas entendo que todas as nossas atitudes decorrem conseqüentemente de nossas escolhas. Vejo – respeitados os entendimentos contrários – que ela poderia ter optado por caminhos diferentes: da dignidade; da honradez; da verdade; do respeito à coisa pública e aos seus eleitores – em cujo rol eu não me insiro. Infelizmente, entrará para a história, ao lado de Fernando Collor e José Sarney, como os piores presidentes que este país já conheceu. E deixará para a toda a sua descendência um legado triste, pois o estigma do seu sobrenome irá acompanhar os seus sucessores, dificultando-lhes, por certo, a própria existência.

O carrasco amarrou-lhe as mãos e cortou-lhe os cabelos de que ela tanto se orgulhara no tempo radioso de sua juventude e que as tristezas e as provações haviam embranquecido prematuramente. Ela esperou, encostada ao muro sinistro de sua prisão, com os pulsos machucados pela corda que os apertava; lamentável e com o rosto empalidecido pelas vigílias, sulcado pelas lágrimas; esperou, ela, Maria Antonieta, rainha da França, festejada, celebrada, adorada por todo um povo quando surgira em Versalhes “como a rosa no meio do canteiro” – ela esperou, à luz opaca daquela manhã de outubro, a  miserável carroça de lavrador que a conduziria ao cadafalso e na qual o abade Girard, padre juramentado, ajudou-a a subir penosamente. (…)

 (ROBERT, 2008: 339)

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