Em certo país, alguns políticos doidivanas resolveram extinguir os tributos. Todos eles. Entendiam que a sociedade, livre desse ônus despótico, que relembrava épocas de dominação, já havia atingido um estado evolutivo tal, que ela mesma se encarregaria de organizar a vida social, sem qualquer tipo de imposição, agindo com consciência.
Agir segundo a sua consciência! Não se tratava de ideia nova. Henry David Thoureau, em seu conhecido discurso intitulado “Os direitos e deveres do indivíduo em relação ao governo” (posteriormente conhecido como “A desobediência civil”), indagava se era “(…) impossível existir um governo no qual o certo e o errado não são decididos pela maioria, mas pela consciência? Em que a maioria apenas defina as questões às quais as regras da conveniência são aplicáveis? É necessário que o cidadão, mesmo que apenas por um instante, ou num grau mínimo, ceda sua consciência ao legislador? Então, por que todo homem tem uma consciência?” (Kirk, Andrew. Desobediência Civil de Thoureau. Trad. Débora Landsberg. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008, pp. 40-41)
Thoureau, é bem que se diga, ao contrário do que se parece, não estava a preconizar a total desobediência da ordem instituída, mas sim, tinha por objetivo precípuo estimular a consciência pública.
Assim, agindo com consciência, os mais abastados contribuiriam com a eliminação do estado de indigência dos destituídos de bens. Fixou-se um valor mínimo para tal. Àqueles que já haviam encerrado a sua vida útil laboral, também foi assegurada uma remuneração, que lhes garantisse os dias felizes na velhice. Todos haveriam de cuidar de suas casas e manter as ruas limpas. A segurança de um seria a segurança do outro. Respeitar-se-iam os direitos já positivados em leis e o Direito Natural seria efetivamente postado acima de quaisquer outras considerações quanto à sua natureza cogente.
Porém, em que pese as ideias e ideais libertários daqueles homens, não contaram que a humanidade é formada por seres das mais diversas categoriais. O que é certo para um, não o será para outro…
Como num pesadelo “saramaguiano”, as coisas não correram tão bem como se esperava…
De início, as pessoas largamente aquinhoadas com os bens da vida material não cumpriram seus encargos. Deixaram de contribuir com os menos favorecidos. A fome bateu à casa de incontáveis miseráveis, que foram lentamente morrendo de inanição, com seus corpos apodrecendo no seio dos lares pobres.
Os velhos, sem forças e ânimo para o desempenho de atividades laborais, ainda que fazendo esforço hercúleo para conseguir trabalho, também foram se perdendo na mendicância, até assistirem a chegada da morte libertadora, lamentando os dias em que os institutos de previdência lhes garantia o mínimo existencial.
À falta de recursos para facear os gastos, as empresas deixaram de prestar serviços públicos essenciais.
O lixo foi se acumulando nas ruas, proporcionando o surgimento de ratos e a propagação das doenças que os mesmos traziam. À falta de iluminação nas ruas, crimes pavorosos começaram a sacudir a sociedade, perpetrados na escuridão profunda. Sem os dedicados servidores da segurança pública, tornou-se impossível ao cidadão comum transitar pelas vias, sem correr o risco de ser assaltado por bandidos animalizados e ter a sua vida ceifada, cruelmente.
O abastecimento de água acabou. Das torneiras, nada saía. Quem podia, buscava em seus terrenos lençóis freáticos, para abastecer as respectivas caixas d´água. Grande parte não teve êxito nisso e morreram à míngua. Os esgotos deixaram de ser tratados e os rios se viram eivados de excrementos produzidos pelas populações das cidades.
Sem os serviços públicos de saúde e educação, vítimas da leptospirose e outras doenças transmissíveis por animais não puderam ser tratados. A infância, órfã de ensino formal, ia crescendo vítima do próprio abandono intelectual.
Em um curto espaço de tempo, aquele país, enquanto estado, foi deixando de existir…
Parece loucura isso? Sim. Pode-se extinguir totalmente os tributos? Não.
Não há que se confundir o tributo com o uso indevido que dele se faz. Com a permissão dada por agentes públicos para que sacripantas se apoderem desses recursos, privatizando indevidamente a coisa pública (res publica). Pela má gestão fiscal. São realidades distintas. Tributo não é coisa sem dono (res nullius) ou coisa abandonada (res derelictae). Ele pertence à sociedade e a ela deve retornar. O dinheiro é do contribuinte.
É pouco comum que as pessoas paguem tantos tributos sem questionar. Mas, no mundo em que vivemos, ele é essencial à prestação de serviços essenciais. É mesmo essencial à própria existência do Estado. Como bem enfatizado pelo caro amigo Onofre Alves, “A doutrina mais moderna já entende o tributo como elemento essencial para a existência do Estado. (…). Por isso, podemos afirmar que o imposto, no “Estado Social Tributário de Direito”, atingiu a sua legitimação que, jurídica e eticamente, o transformou em um dever cívico dos cidadãos, determinado, escolhido e imposto pela própria coletividade” (BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. O planejamento fiscal e a interpretação no direito tributário. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 17).
Perdoem-me a ênfase dada ao vocábulo “essencial”. Porém, é necessária.
Coemntários
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