Quando os homens são éticos

  • Por: Amaury Rausch Mainenti OAB-MG nº 86.310
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“Quando os homens são éticos, as leis são desnecessárias; quando os homens são corruptos, as leis são inúteis.”
Thomas Jefferson

Nunca estas palavras do célebre Thomas Jefferson estiveram tão atuais!

Mas quem foi esse homem?

Jefferson nasceu na cidade de Shadwell, Virgínia, em 1743, vindo a falecer em Monticello, no mesmo Estado americano, em 1826. Filho de uma importante família de proprietários de terras, foi advogado e teórico político, constituindo-se posteriormente no principal redator da Declaração de Independência americana (1776). Enquanto Secretário de Estado de Washington em 1790, defendeu uma política fisiocrática que faria dos Estados Unidos uma República descentralizada de pequenos agricultores, opção esta enfrentada duramente por Alexander Hamilton, Secretário do Tesouro americano e um dos criadores de “O Federalista” (juntamente com James Madison e John Jay), adepto de um governo federal forte e do pleno desenvolvimento industrial.

Thomas Jefferson, enquanto incentivador do partido republicano-democrata, foi vice-presidente dos EUA (John Adams Presidente, no período 1797-1801) e em seguida chegou à presidência (1801-1809), tendo praticado uma política de compromisso com as ideias dos federalistas.

Há alguma dúvida acerca da personalidade marcante deste e dos outros homens que orquestram a gênese e a construção da grande nação norte-americana?

Pois bem. Ante tais palavras, é justamente no exercício da atividade advocatícia que vamos compreendendo que a lei é cumprida por quem está eticamente associado aos valores mais nobres da alma. E nada mais!

Lado outro, mesmo no campo além daquele onde se desenvolve a atividade profissional, assistimos diuturnamente violações de direitos naturais ou positivos em todos as esferas da atuação humana: desde o não pagamento de uma fatura, passando por um simples divórcio até chegar ao mau uso dos recursos públicos. Neste último caso a situação se torna talvez até mais grave do que nas demais, vez que o agente corrupto promove um verdadeiro genocídio social, pois ao se apropriar de recursos da coletividade, impede que pessoas possam mudar de estrato social, progredindo na vida através da educação de qualidade – esta, a chave para a construção de qualquer sociedade – e da oferta de trabalho condigno.

Mas quais seriam os valores mais caros à alma humana, sabendo que somos diferentes em termos de evolução moral e intelectual, ainda que contenhamos todos uma mesma essência divina, dada por nosso Criador? Afinal, o que é certo para mim não o é para outrem.

Ora, sabe-se que há uma moral individual e uma moral coletiva. Aquela pode ir ou não ao encontro desta última. E esta, a moral coletiva, pode igualmente se positivar em uma regra legal, aprovada pela sociedade, prescrevendo ou proibindo determinada conduta. Por exemplo: o adultério sempre foi repudiado pela moral coletiva e, legalmente, se constitui em causa para rompimento da sociedade conjugal. Mas o indivíduo que não honra os deveres morais e legais inerentes ao casamento dificilmente se preocupará com a lei ou quiçá com a moral coletiva, vez que o seu código de conduta individual não vislumbra tal anomalia do seu caráter.

Curiosamente, em nossas vivências pessoais e profissionais temos visto que o indivíduo que pratica adultério não admite que o seu cônjuge incida na mesma conduta indecorosa. Afinal, “pimenta só arde nos olhos dos outros”, não é?

Acreditamos piamente que a aferição de valores, dado os diferentes níveis de evolução do ser humano encarnado neste Planeta, deva se dar pela profunda e pessoal análise da máxima crística, que é justamente o fundamento da Justiça: aja para com o seu semelhante como gostaria que agissem para contigo.

Eis aí toda a ética!

Mas se esta regra de agir pode ser considerada uma lei acima de todas as demais, e que estaria escrita no âmago dos seres humanos (ainda que estes com frequência não a reconheça), por que então a existência de regras discutidas e sufragadas por uma coletividade de pessoas, diretamente ou por meio de representantes eleitos?

É porque o egoísmo humano não permite que ele vislumbre o direito natural. Longe está o homem de agir em conformidade a essa moral crística. Como bem enfatizado pelo filósofo Egídio Romano (c. 1.243-1.316 a.d.), as sociedades devem ser reguladas por leis que garantem e protegem a moralidade de seus cidadãos.

Mas os homens de boa fé, impactados com a injustiça, buscam combate-la criando mecanismos para diminuição das injustiças. Daí a clara importância da lei, mesmo que a moral individual não lhe reconheça a validade ou que não lhe atormente a possibilidade de aplicação da inerente punição, nos casos que ela estipula.

“O que nos move, com muita sensatez, não é a compreensão de que o mundo é privado de uma justiça completa – coisa que poucos de nós esperamos –, mas a de que a nossa volta existem injustiças claramente remediáveis que queremos eliminar”, destaca Amartya Sen, em sua obra intitulada “A ideia de Justiça” (São Paulo: Cia das Letras, 2009, p. 9). E essa sensação de que há injustiças se faz presente justamente quando vemos homens que desobedecem as leis e nada lhes acontece, enquanto a outros são impostas, não raras vezes, condenações horríveis e absolutamente improcedentes, como no célebre caso dos irmãos Naves (vide ALAMY FILHO, João. O caso dos irmãos Naves. 3ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1993).

O contraponto entre justiça versus injustiça talvez seja a única forma de conduzir o homem à promoção de processos de mudança, a fim de sanar as injustiças. E isso fica bem destacado nas notas introdutórias à obra de Amartya Sen (op.cit., 2009: 9): “É correto pressupor que os parisienses não teriam tomado de assalto a Bastilha, que Gandhi não teria desafiado o império onde o sol costumava não se por, que Martin Luther King não teria combatido a supremacia branca na ‘terra dos homens livres e lar dos bravos’, não fosse seu senso das injustiças manifestas que poderiam ser vencidas. Eles não estavam tentando alcançar um mundo perfeitamente justo (mesmo que não houvesse nenhum acordo sobre como seria tal mundo), mas o que queriam era remover claras injustiças até onde pudessem”.

Sim, compreender o mundo, a realidade que nos cerca, as circunstâncias lamentáveis com que se enrolam os viventes nesse pequeno recanto do Universo, é uma tarefa assaz difícil. Não é fácil fazer uma correlação entre o que se vê e o que se sente, ante os quadros que se desdobram aos olhos do observador arguto, traduzindo tudo isto numa linguagem de franca indignação ante uma injustiça e que esta seja efetivamente caracterizada como tal para um sem número de pessoas, além da sua estreita órbita pessoal.

Certo é, porém, que a partir do momento em que um grupo social assiste ininterruptamente um bando de ladrões encastelados no poder restarem impunes, sem sofrer as consequências legais de suas condutas, essa sociedade tenderá a se esfacelar, terminando em uma triste guerra fratricida. Como bem salientava Agostinho de Hipona (354-430 a.d.), “Sem justiça, uma associação de homens unidos pela lei não tem como progredir”. E “Não havendo justiça, o que são os governos senão um bando de ladrões?”

Afinal, “Boas leis deveriam induzir virtudes, tais como a justiça”, já afirmava o filósofo Egídio Romano. E se a lei não induz boas virtudes, corre-se o risco de se cair na tirania, já que um tirano se excluiria da sociedade ao não se sujeitar à lei, ainda segundo as ideias do citado filósofo.

Assim, como fazer a justiça, se as leis são descumpridas por aqueles que jactanciosamente não temem a espada de Temis e todos os órgãos de aplicação penal encontram-se plenos de indivíduos descompromissados com as virtudes da Justiça? Como fazer a justiça, quando homens que deveriam ser exemplos de virtudes não passam de bestas sacripantas?

Como tornar uma lei útil ante a corrupção humana?

É preciso que exista a certeza da punição. Que ninguém esteja além do alcance da lei. O Estado deve proteger os membros que o formam, unindo os homens entre si e demonstrando cabalmente que toda torpeza praticada será castigada. Para isso, reformas profundas devem passar pelos poderes legislativo, executivo e judiciário. Se os dois primeiros estiverem mancomunados, certo é que a liberdade fenecerá. Se o terceiro vincular-se aos outros dois, sendo controlado pelo segundo, falecerá a democracia e ter-se-á o surgimento da tirania.

E contra a tirania, só um levante popular tem o poder de encerrá-la. A história nos prova isso.

Portanto, não espere obediência à lei de quem não tem ética. Estas são inúteis quando a alma é corrupta.

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